domingo, novembro 16, 2008

Resumo do livro "Prometeu Desacorrentado", de David S. Landes

por Sylvio Micelli

Em uma narrativa leve, de forma até romanceada, o catedrático de Harvard, David Landes, narra a história da Revolução Industrial. “Prometeu Desacorrentado” é uma verdadeira apologia à Revolução que, realmente, foi um marco na humanidade.

O simbolismo de Prometeu representa a vontade humana por conhecimento. Sua captura do fogo é a audácia humana pela busca incessante e o compartilhamento do conhecimento. Trata-se de uma passagem da mitologia grega. A Prometeu e seu irmão Epimeteu deu-se a tarefa de criar os homens e todos os animais. Epimeteu encarregou-se da obra e Prometeu encarregou-se de supervisioná-la, depois de pronta. Assim, Epimeteu atribuiu a cada animal seus dons variados, de coragem, força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras a outro, uma carapaça protegendo um terceiro etc. Porém, quando chegou a vez do homem, que deveria ser superior a todos os animais, Epimeteu gastara todos os recursos, assim, recorre a seu irmão Prometeu que com a ajuda de Minerva roubou o fogo que assegurou a superioridade dos homens sobre os outros animais. Todavia o fogo era exclusivo dos deuses. Como castigo a Prometeu, Zeus ordenou a Hefesto acorrentá-lo ao cume do monte Cáucaso, onde todos os dias uma águia (ou abutre) ia dilacerar o seu fígado que, por ser Prometeu imortal, regenerava-se. Esse castigo devia durar 30 mil anos. Prometeu foi libertado do seu sofrimento por Hércules que, havendo concluído os seus doze trabalhos dedicou-se a aventuras. No lugar de Prometeu, o centauro Quíron deixou-se acorrentar no Cáucaso, pois a substituição de Prometeu era uma exigência para assegurar a sua libertação.

A obra de Landes destaca a Revolução Industrial e os motivos que fizeram com que ela se realizasse na Inglaterra e não em outros países, até mais desenvolvidos. Trata, ainda, do estudo das novas tecnologias que nasceram a partir das transformações provocadas pela revolução, mudanças tão duradouras que estão até hoje presentes no mundo inteiro. Landes busca, enfim, respostas.

O autor usa então, no mito de Prometeu, as explicações sobre a industrialização e a modernização. Ambas estão na capacidade de criação das pessoas. Tal modernização depende da iniciativa individual, da eliminação dos preconceitos aristocráticos, da valorização da eficiência e da racionalidade. Depende da ética do trabalho e da eficiência burocrática weberiana, que dá base ao comportamento empresarial do capitalismo.

Justamente este comportamento, fez com que a Inglaterra obtivesse a primazia, diferentemente de outros países até mais desenvolvidos à época como França ou Holanda, ou ricos como Portugal ou Espanha, impérios coloniais que se fizeram com o ouro furtado do território americano.

É importante destacar que, dentro do contexto mundial, a Inglaterra já detinha outro pensamento, um outro, digamos, modus operandi. Se analisarmos a obra de Maurice Dobb em “A Evolução do Capitalismo” e as discussões que se seguiram com Paul Sweezy, podemos observar que já à época do feudalismo, sua implosão e o crescimento das cidades, o continente inglês já dava demonstrações, até pelo desenvolvimento de suas cidades, de que se anteciparia na evolução tecnológica.

O pioneirismo britânico é calcado em quatro elementos essenciais que concorreram para a industrialização: capital, recursos naturais, mercado, transformação agrária. Depois de vencer a monarquia, a burguesia conquistou os merca¬dos mundiais e transformou a estrutura agrária. Os ingleses avançaram sobre esses mercados por meios pacíficos ou militares. A hegemonia naval lhes dava o controle dos mares. Era o mercado que comandava o ritmo da produção, ao contrário do que aconteceria depois, nos países já industrializados, quando a produção criaria seu próprio mercado.

Até a segunda metade do século XVIII, a grande indústria inglesa era a tecelagem de lã. Mas a primeira a mecanizar-se foi a do algodão, feito com matéria-prima colonial. Tecido leve, se ajustava aos mercados tropicais; 90% da produção eram exportadas e isto representava metade de toda a exportação inglesa. As colônias contribuíam com matéria-prima, capitais e consumo.

Os capitais também vinham do tráfico de escravos e do comércio com metrópoles colonialistas, como Portugal. Provavelmente, metade do ouro brasileiro acabou no Banco da Inglaterra e financiou estradas, portos, canais. A disponibilidade de capital, associada a um sistema bancário eficiente, com mais de quatrocentos bancos em 1790, explica a baixa taxa de juros; isto é, havia dinheiro barato para os empresários.

Depois de capital, recursos naturais e merca¬do, o quarto elemento essencial à industrialização, a transformação na estrutura agrária após a Revolução Inglesa. A divisão das terras coletivas beneficiou os grandes proprietários. As terras dos camponeses, os yeomen, foram reunidas num só lugar e eram tão poucas que não lhes garantiam a sobrevivência: eles se transforma¬ram em proletários rurais; deixaram de ser ao mesmo tempo agricultores e artesãos.

Antes da Revolução Industrial, a atividade produtiva era artesanal e manual, no máximo com o emprego de algumas máquinas simples. Dependendo da escala, grupos de artesãos podiam se organizar e dividir algumas etapas do processo, mas muitas vezes um mesmo artesão cuidava de todo o processo, desde a obtenção da matéria-prima até à comercialização do produto final. Esses trabalhos eram realizados em oficinas nas casas dos próprios artesãos e os profissionais da época dominavam as etapas do processo produtivo.

Com a Revolução Industrial os trabalhadores perderam o controle do processo produtivo, uma vez que passaram a trabalhar para um patrão (na condição de empregados ou operários), perdendo a posse da matéria-prima, do produto final e do lucro. Esses trabalhadores passaram a controlar máquinas que pertenciam aos donos dos meios de produção os quais passaram a receber todos os lucros.

Esse momento de passagem marca o ponto culminante de uma evolução tecnológica, econômica e social que vinha se processando na Europa desde a Baixa Idade Média, com ênfase nos países onde a Reforma Protestante tinha conseguido destronar a influência da Igreja Católica: Inglaterra, Escócia, Países Baixos, Suécia. Nos países fiéis ao catolicismo, a Revolução Industrial eclodiu, em geral, mais tarde, e num esforço declarado de copiar aquilo que se fazia nos países mais avançados tecnologicamente: os países protestantes.

De acordo com a teoria de Karl Marx, a Revolução Industrial, iniciada na Grã-Bretanha, integrou o conjunto das chamadas Revoluções Burguesas do século XVIII, responsáveis pela crise do Antigo Regime, na passagem do capitalismo comercial para o industrial. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Para Marx, o capitalismo seria um produto da Revolução Industrial e não sua causa.

Com a evolução do processo, no plano das Relações Internacionais, o século XIX foi marcado pela hegemonia mundial britânica, um período de acelerado progresso econômico-tecnológico, de expansão colonialista e das primeiras lutas e conquistas dos trabalhadores. Ao final do período, a busca por novas áreas para colonizar e descarregar os produtos maciçamente produzidos pela Revolução Industrial produziu uma acirrada disputa entre as potências industrializadas, causando diversos conflitos e um crescente espírito armamentista que culminou, mais tarde, na eclosão, da Primeira Guerra Mundial.

Por diversos fatores, a Grã-Bretanha foi pioneira no processo da Revolução Industrial. Aplicou uma política econômica liberal desde meados do século XVIII. Com a liberalização da indústria e do comércio ocorreu um enorme progresso tecnológico e um grande aumento da produtividade em um curto espaço de tempo.

O processo de enriquecimento britânico adquiriu maior impulso após a Revolução Inglesa, que forneceu ao seu capitalismo a estabilidade que faltava para expandir os investimentos e ampliar os lucros. A Grã-Bretanha possuía grandes reservas de ferro e de carvão mineral em seu subsolo, principais matérias-primas utilizadas neste período. Dispunham de mão-de-obra em abundância desde a Lei dos Cercamentos de Terras, que provocou o êxodo rural. Os trabalhadores dirigiram-se para os centros urbanos em busca de trabalho nas manufaturas.

Landes utiliza a evidência histórica acumulada, sobretudo no exame detalhado dos processos industriais que se desenvolveram na Inglaterra naqueles anos, na fabricação de tecidos de algodão e lã, na química, na siderurgia e no desenvolvimento da máquina a vapor. O estudo da evolução da tecnologia permite que, de passo, uma série de idéias convencionais sobre a revolução industrial inglesa, e sobre a economia moderna, sejam postas de lado.

Para o autor, três grandes temas dominam o livro. A relação entre a ciência, a tecnologia e o processo produtivo, Landes acredita no desenvolvimento contínuo da ciência, mas sabe que suas relações com o sistema produtivo não são simples. Ao contrário do que muitas vezes propagam os cientistas, a revolução tecnológica se deu no interior da própria indústria, e, pelo menos no início, teve pouco a ver com o que ocorria no âmbito da ciência básica e acadêmica. Não é verdade que a ciência, por si mesma, gere automaticamente benefícios econômicos e sociais. Para isto, ela depende fundamentalmente dos processos aplicados e de engenharia, que respondem a lógicas institucionais e econômicas próprias, e desenvolvem culturas técnicas independentes.

O segundo tema é o papel das condições estruturais nos processos econômicos. Ao contrário do que pensavam os marxistas, a industrialização não se baseou na expulsão dos trabalhadores do campo, nem esteve associada ao desaparecimento das formas de organização econômica familiar, que continuaram a existir e a ocupar a maior parte da população ativa. Estas não foram as causas, e sim as conseqüências do processo de desenvolvimento da iniciativa capitalista e da racionalização progressiva da atividade econômica, que acabou por transformar de maneira tão profunda não só a sociedade inglesa, mas todo o mundo. Ele inverte as explicações históricas que fazem do homem um ser sem iniciativa e liberdade, determinado e comandado pelas suas condições e origens. Existiam condições na Inglaterra, para o aparecimento do Prometeu, que a tornavam mais propícia do que a França ou outros países para o primeiro surto da revolução industrial, assim como existiram condições que favoreceram a entrada tardia da Alemanha e, mais tarde, dos Estados Unidos no centro da economia moderna. A perspectiva de Landes é sempre de que as pessoas são agentes e criadores de seu próprio destino, a partir da realidade de suas condições.

O terceiro eixo do livro trata do relacionamento entre o Estado, o planejamento da economia e a liberdade e criatividade dos empresários. Landes defende o liberalismo econômico, que aposta na iniciativa empresarial e descrê profundamente das ações do Estado, e suas tentativas de planejar e condicionar a atividade econômica. Esta posição se sustenta de forma bastante convincente até meados do século XIX, mas começa a se complicar com a entrada da Alemanha no mundo das potências industriais, e a importância crescente do nacionalismo e da ideologia ao longo do século XX. A tese central é que, quando mais atrasada for a economia de um país, mais importantes seriam os fatores políticos e ideológicos no desenvolvimento da economia, suprindo o capital, mas sobretudo a iniciativa e a ambição de modernização que o setor privado não tem. Na medida o setor privado se fortalece, o nacionalismo e a ideologia se tornam contraproducentes, por não terem como substituir a riqueza e a diversidade das iniciativas individuais.

A substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial; revolução, em função do enorme impacto sobre a estrutura da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável evolução tecnológica.

A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e encerrou a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância do capital mercantil sobre a produção. Completou ainda o movimento da revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII.

Texto originalmente escrito em 18/06/2008

Nenhum comentário: