segunda-feira, janeiro 19, 2009

Obama: vida nada fácil!

por Sylvio Micelli

Pre-scriptum 1: se você acha que se trata de mais um texto enaltecendo a vitória de Barack Obama e que eu acho que isto será um bálsamo para a cura de todos os males, pode parar por aqui. A realidade, meus caros, será bem diversa.

Pre-scriptum 2: era para ter escrito à época da eleição, mas optei pela posse.

Nesta terça, 20 de janeiro, o advogado, havaiano, democrata e leonino Barack Hussein Obama tomará posse como o 44º presidente dos Estados Unidos e encarnará um dos maiores paradoxos da história, ao ser o primeiro negro a ocupar a Casa Branca. Pessoalmente, acredito que ele seja um cara simpático. Lembra-me um pouco o Wilson Simonal, cantor brasileiro injustamente acusado de ser dedo-duro do regime militar, que caiu no ostracismo e foi inocentado, como sói acontecer a esses casos, post-mortem.

Queria passar longe das discussões étnicas e raciais, mas como isto é impossível permitam-me alguns esclarecimentos:

Primeiro: o fato de Obama ser o primeiro negro a presidir os Estados Unidos é histórico sim, mas só isso. Ouvi e li muita bobagem antes da eleição, em 04 de novembro do ano passado e muito mais, após a finalização do pleito. Ele não é a realidade dos pensamentos dos dizeres de Martin Luther King no famoso discurso de 28 de agosto de 1963. Sua posse também não vai redimir o mundo dos crimes cometidos contra Malcolm X, Steve Biko e tantos outros negros que bancaram sua lutas com a própria vida.

Segundo: o fato de Obama ser negro não minimiza nem reduz o racismo cruel que existe nos Estados Unidos e fora dele. Para mim, o simples fato de enaltecerem a questão de Barack ser negro apenas é um reforço ao racismo. Todos os preconceitos serão extintos quando elegermos as pessoas por aquilo que elas são e não pela sua cutis, opção sexual, classe social ou quaisquer outros itens discriminatórios que forem inventados. E neste campo posso opinar com tranquilidade. Tenhos amigos de todos os tons, credos e taras.

Terceiro: a mídia, tanto tupiniquim quanto estrangeira, desandou a escrever sobre Obama como um novo Messias. Como conheço a mídia razoavelmente bem, eles dão "total apoio" agora. Mas não se sabe o preço alto que se pagará num futuro não tão longínquo. Obama é de carne e osso e como bem afirmou Carlos Heitor Cony, um dos poucos sensatos diante da tal 'Obamamania', os norte-americanos votaram num homem, como poderia ter sido em outro. Aliás, colocar todas as cartas numa única pessoa é comodismo ou tolice. A mídia, meus caros, é cruel. A posse de Barack será um acontecimento mundial jamais visto. Esperem pela primeira ralada.

Quarto: os brancos não estão quites com os negros pelo genocídio histórico, pelos séculos de escravidão e servidão, apenas por um negro ser, em tese, o homem mais poderoso do mundo. Isso é pura hipocrisia e vi com certo ceticismo aquele comício de Obama na Alemanha considerado por muitos como o ponto alto da campanha. Infelizmente, a humanidade está muito longe da liberdade, igualdade e fraternidade que dela se espera há mais de dois séculos.

Quinto: Obama, inteligentemente, não evocou sua tez para angariar votos. E isso é importante destacar. Lembremos aqui que, tanto Hillary Clinton nas primárias, como John McCain na eleição acreditou até o final no "racismo americano" para que Obama não tivesse êxito.

Sexto: como já afirmei antes, ele não resolverá todos os problemas que têm pela frente em meros quatro anos. Nem mesmo em oito anos se considerarmos que a eleição norte-americana, há muito, virou um mandato de oito com um "interregno" plebiscitário a cada quatro anos. Mas se George W. Bush, com todas as suas mazelas, ficou oito anos no poder, Obama deverá conquistar fácil um segundo mandato.

Sétimo: escrevi que Obama é o homem mais poderoso do mundo, por mero silogismo. A maior economia do mundo é a norte-americana, logo, Obama é responsável pela maior economia do mundo. Não sou americanista nem anti-americanista. Para mim divisões territoriais foram feitas pelos homens, ainda mais num país como os Estados Unidos, cujo mapa, literalmente, foi traçado por uma régua.

Pois bem.

Justamente por ter a maior economia do mundo, Obama começa com um problema enorme. Os Estados Unidos são os maiores responsáveis pela atual Crise Econômica Mundial, muito comparada à de 1929, quando a Bolsa de Nova York evaporou. A recessão chegou. O desemprego também. Há o escândalo provocado pelo ex-presidente da Nasdaq, Bernard Madoff que piora ainda mais a situação; ou seja, todos os ingredientes para que ele tenha um primeiro ano muito difícil ao tentar dar credibilidade ao sistema financeiro mundial e tentar reestruturar as infindáveis hipotecas norte-americanas, que deram origem ao problema dos subprimes.

É importante salientar que a questão imobiliária nos Estados Unidos foi fomentada pelo seu antecessor. Bush vendia a idéia de que os americanos deveriam ter sua casa própria. Trata-se, portanto, de uma mudança ideológica dentro do centro do poder. E a Casa Branca, mesmo mudando seu morador mais ilustre, terá de pagar o preço.

O espólio da guerra promovida por Bush também será de difícil administração. Há uma relação de fogo entre israelenses e palestinos acontecendo neste exato momento e os norte-americanos são diretamente responsáveis pelo poder político e devastador de Israel. Qual será a posição de Obama? Defender o estado palestino? E em relação à retirada de soldados do Iraque? Como será a nova gestão? E Guantánamo? Isso sem falar no seu quase xará, Osama Bin Laden que, até prova em contrário, permanece vivo. São tantos e tantos problemas militares que Obama deve perguntar a si mesmo: 'por onde começo?'

Debelar a crise financeira exige mudanças radicais na economia norte-americana e alterações da política tributária. Para voltar a crescer, os Estados Unidos precisam produzir e consumir. E o consumismo norte-americano será refreado por conta dos problemas ambientais? Os Estados Unidos vão aderir, finalmente, ao Protocolo de Kyoto?

São dezenas, quiçá centenas de perguntas que Obama deverá responder a partir de agora, a parte mais complicada do processo. E confesso a você, decepciono-me com os primeiros nomes de sua equipe de governo. É óbvio que a situação atual não foi feita para principiantes. Mas precisava trazer gente da época do governo de Bill Clinton e até de Jimmy Carter? Se esta é a renovação ou a "new hope", seu slogan de campanha, começou mal.

Barack Obama precisará muito mais de discurso para romper barreiras, administrar idiossincrasias e vaidades, quebrar enfim, paradigmas. Desejo-lhe sorte, mas com o ceticismo de sempre. Não queria estar em seu cargo. Se ele acertar, e tomara que acerte, fará mais que história. Se falhar, não tenha dúvida de que o mais cruel e nojento racismo estará lá a apontar-lhe o dedo na cara.

Hey, dude. Good Luck! God Bless You! God Bless Us!

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro Silvio.
Saudações.

Refletindo um pouco sobre o assunto, eu acredito que é um erro, na atual conjuntura, acreditar que o mundo pode mudar a partir da eleição de um presidente americano que possui raízes na África e no Havaí.

É verdade que os BUSHes só cometeram erros na área econômica e política e com isso estão colhendo o que plantaram.

Mas a aposta num "salvador da pátria" é experiência até no Brasil, em vários momentos da nossa história. Eu acredito que o Obama não quer ser um novo lider negro e sim um "Lincon".

O cara não é pobre, não vai combater os neoliberais e nem o capitalismo.

Um abraço

Anônimo disse...

Excelente reflexão!

Também desejo toda a sorte do mundo para ele. Será preciso...

Ah, tenho medo desse possível racismo caso as coisas não deem realmente certo.

Grande abraço, meu caro!

Unknown disse...

Silvio,
Ótimo post, sobre o Presidente eleito Barack Obama. Adorei!
Foi ótimo retomar o contato com seu inteligente e esclarecedor Blog!
Espero que me visite, no http://estrelaselma1.blogspot.com
GAbraços!
ESTRELA SELMA

Anônimo disse...

Sylvio,


Belo texto. Belo só, não!
Lúcida a análise que faz da eleição e posse de Obama no contexto americano.
Coincide, em muito, com o que penso sobre o "espetáculo", embora considere Obama um moço com muitas boas intenções.
Que bom contar com amigos como você. Além de uma amizade honesta, leal e desinteressada oferece subsídios para que façamos uma análise-crítica do que ocorre ao nosso entorno.
Obrigada por contribuir para uma visão desalienada da realidade.

Abraços,

Maria Antonia

Unknown disse...

O presidente americano tem que ser frio e racional. Fazer valer sua autoridade na hora certa.
Seu Post está magnífico. Miceli, gosto de seu blog inteligente e atuante! Aguado sua visitinha,sim?
É 1000!
Bjs
ESTRELA SELMA1

Anônimo disse...

Esse tocou fundo, viajou, flutuou. Disse algumas verdades. No fim, em inglês, debochou, augurou e implorou as bênçãos de Cima para todos.

Manifestante Solitário disse...

Silvio,

Parabéns pela sincera e "apolítica" reflexão sobre a Obamamania que tomou conta do mundo!

Também acredito que Obama já fez história se elegendo e quero acreditar que fará mais do que a história ao salvar os EUA de todos os problemas que atualmente se imnpõe a "olhos nus".

Um abração...