quarta-feira, dezembro 24, 2008

A catástrofe da mídia

Sylvio Miceli

O acidente que vitimou 99 pessoas naquela fatídica manhã de 31 de outubro, dia dedicado às bruxas especialmente nos Estados Unidos, mostrou que nem a Imprensa, muito menos os órgãos públicos de assistência às pessoas, estão preparados para um trabalho deste porte.

A queda do avião da TAM foi uma fatalidade. A empresa do simpático Comandante Rolim Amaro vinha se destacando nos últimos cinco anos, em crescimentos geométricos de uma ideologia simples: Rolim afirmou por dezenas de vezes que não entendia de aviões e sim, de passageiros. Antagonismos e ironias do destino à parte, a verdade é que o acidente aconteceu e agora fica uma lacuna nas diversas famílias que viram seus entes queridos desaparecerem, ou que tiveram seus bens destruídos.

A minha querida Imprensa, sedenta de catástrofes e “furos” de reportagem, mostrou atropelo de informações, deixando a tragédia caracterizada por uma áurea de humor negro. Inicialmente, falava-se do vôo KK-420 que ia para Brasília. Depois soubemos que era KK-402 e seu destino, o Rio. A listagem com o nome dos passageiros era incompleta, pois havia sido elaborada com base nos nomes impressos nas passagens. Ponto negativo à companhia aérea. Ressalva-se aqui, que diante da tragédia, a empresa prestou um digno serviço aos familiares das vítimas.

O Instituto Médico Legal juntou-se aos jornalistas e nos brindou com pérolas, como esta, que afirmava ser 102, o total de mortos e que até o corpo de um deles, morador da região destruída pelo avião, havia desaparecido. Os canais de TV ficaram ensandecidos: cenas de corpos mutilados, falas do piloto na caixa-preta que nem havia sido aberta, imagens circenses de um país cuja ideologia é: se não há pão, tome circo. Todas as fotos foram exploradas à exaustão. Comparações com o episódio dos Mamonas Assassinas tornaram-se inevitáveis. Arquivos velhos da desgraça humana reapareceram na mídia impressa e eletrônica.

O questionamento feito é a tentativa de saber o porquê do abuso da dor alheia. Lógico que uma “quebra de rotina” dessas deve ser retratada em todos os ângulos. Porém, é necessário lembrar que a informação possui o trigo e o joio. O problema é que a maioria só imprime o joio.

O supérfluo da informação deve e tem que ser descartado. Para que serve entrevistar dezenas de especialistas anônimos, palpitando sobre uma fatalidade ? É sempre bom ressaltar que a lâmina que separa o jornalismo do sensacionalismo é tão tênue quanto aqueles poucos segundos que separaram a vida, do ritual de passagem daquelas pessoas. E que Deus os tenha em bom lugar.

Texto originalmente escrito em 26/11/1996

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